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Pode ser que você não acompanhe esportes e, mesmo assim, já tenha sido impactado, de alguma forma, por propagandas de sites de apostas esportivas. Trata-se de mercado em expansão, que movimenta, na atualidade, bilhões de reais por ano.

Sem termos a pretensão de adentrar a regulamentação da matéria, tampouco de abordar a imperiosa necessidade que visualizamos da tributação dessa atividade, a pergunta que não quer calar refere-se às consequências dos valores recebidos por um dos parceiros em relacionamentos norteados pela comunhão parcial de bens.

O primeiro passo a ser pensado é que, seja no casamento ou na união estável, os efeitos desse regime de bens permitem a comunicação de todas as aquisições realizadas por qualquer dos consortes, desde que não sejam de valores anteriores à união, nem recebidos por doação ou herança.

Ao contrário do que normalmente se pensa, essa comunicabilidade patrimonial não depende da prova do esforço comum, existindo uma presunção de comunicabilidade, seja das compras realizadas, seja dos investimentos e acúmulos financeiros feitos no período da união. Assim, uma poupança paulatinamente formada ao longo dos anos será, invariavelmente, de ambos os parceiros, ainda que somente um tenha realizado depósitos.

Nesse regime, igualmente, o Código Civil prevê o direito de meação dos bens decorrentes de fato eventual, oportunidade em que, tradicionalmente, os Tribunais aplicavam essa lógica para determinar a partilha de prêmios de loteria.

Na atualidade, com a expansão do mercado de apostas esportivas, embora ainda se desconheçam decisões que apliquem essa tese, não há dúvidas de que os prêmios delas decorrentes também devem ser comuns aos cônjuges e companheiros, vez que o pensamento em contrário poderia permitir uma fraude ao regime de bens.

Qual seria a forma de evitar-se a partilha desses valores? Por meio de pacto antenupcial, de contrato ou escritura de convivência, é permitido ao casal eleger o regime de separação convencional de bens, ou, se assim desejar, é possível que mantenham uma estrutura relacional norteada pela comunhão parcial de bens, excluindo a participação especificamente quanto aos bens ou valores decorrentes de fato eventual.

Vejamos que, tal qual acontece em outras áreas de nossa vida, como, por exemplo, no âmbito previdenciário, que demanda a necessidade de um planejamento para a estruturação segura de uma aposentadoria, hodiernamente, a busca de um planejamento matrimonial se mostra como o melhor caminho. Caso contrário, do “azar no jogo e sorte no amor”, pode-se passar para “sorte no jogo e azar do amor”, quando não se pensa nas consequências dos regimes de bens antes de iniciar um relacionamento afetivo.

Tão difícil quanto você conseguir ficar desconectado por, pelo menos, um dia, é você conseguir — de forma objetiva — conceituar em que momento um relacionamento afetivo passa a ter status de família.

Ao contrário do imaginário popular, que entende ser necessário um prazo de dois ou anos e a coabitação para que haja união estável, a legislação brasileira exige apenas a existência de um relacionamento público, contínuo e duradouro e com a intenção de constituir família.

Ainda, embora o artigo 1.725 do Código Civil estabeleça a possibilidade da realização de contrato escrito para a escolha de regime diverso da comunhão parcial, oportunidade em que os companheiros podem indicar o início da união, sabe-se que a formalização não se verifica enquanto regra na experiência social.

Em decorrência dessa ausência de data demarcada documentalmente (o que não acontece no casamento), uma das atividades hercúleas das Varas de Família é conseguir definir em que momento a “ficada”, o namoro, o noivado ou, simplesmente o “crush” virou um relacionamento que possa ter consequências jurídicas e patrimoniais.

A falta de critério é tanta que, para alguns, poderíamos ter uma espécie de “namoro qualificado”, fator esse que, em nosso sentir, carece de validade jurídica. Reconhecer alguma relação como “qualificada” tornaria as demais, então, “desqualificadas”? E mais, apenas por amor ao debate, um casal de classe média alta, que teria condições de manter duas casas ao longo da relação, com autonomia financeira entre si, talvez indicasse a presença constante de um “namoro qualificado”, enquanto, no caso da população assistida pela Defensoria Pública, sua relação seria, em regra, uma união estável vez que estaria presente um entrelaçamento econômico?

Agora, sobre as provas necessárias para o reconhecimento, para além dessa mistura econômica e a aparência do estado de casados, um forte elemento para a configuração da relação — embora não seja um requisito imprescindível — sempre foi coabitação entre o casal.

Ordinariamente, em um mundo analógico, usávamos para esse desiderato comprovantes de correspondências e, até mesmo, a participação ativa de vizinhos do casal.

Na atualidade, considerando a experiência que já vem sendo utilizada nas Justiça do Trabalho, a determinação da quebra de sigilo da geolocalização poderia ser uma ferramenta interessante nas ações de reconhecimento de união estável. Ponto para os avanços tecnológicos, que podem, em muito, demonstrar a verdade que norteou o relacionamento afetivo outrora existente.

Ao depois, essas informações poderiam também servir para atestar viagens em conjunto e outros espaços de convivência, quando ausentes outras provas desses momentos.

Afinal, enquanto antigamente se dizia “quem casa, quer casa”, nas relações convivenciais a demonstração de residência comum ou uma convivência mais intensa pode ser contextualizada a partir das evidências construídas em um mundo cada vez mais conectado.

A união estável é, desde há muito, a maior opção dos brasileiros quando pretendem constituir família. Talvez pela sua informalidade – que é quase marca registrada da nação verde amarela em suas relações de qualquer ordem –, seja pelo fato de não ser casado “de papel passado” representa peso diferenciado na questão psicológica e, também, pela falsa aparência de que sua dissolução seria facilitada.

A verdade é que união estável, infelizmente, nunca representou a garantia de direitos igualitários ao casamento. O livro de família do Código Civil regula exaustivamente a entidade matrimonial e reserva cinco singelos artigos para a união estável. Quanto ao direito sucessório, o convivente sobrevivo não foi designado como herdeiro necessário no artigo 1.845 do diploma civil e sua participação na herança foi restrita tão somente em relação às aquisições onerosas no decorrer da convivência, nos termos do artigo 1.790. No mesmo dispositivo, no inciso III, temos o absurdo de que, caso venha a perder seu companheiro, o sobrevivente poderia ficar com apenas um terço da herança e os outros dois terços com o irmão, tio ou até de um primo de seu parceiro. No casamento, nas mesmas condições, o cônjuge sobrevivo recolheria a totalidade da herança.

O dia 10 de maio de 2017 marcará, de uma vez por todas, a história do direito sucessório brasileiro: com o julgamento do Recurso Extraordinário n. 878.694, por oito votos a três, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a diferenciação no recebimento da herança entre cônjuge e companheiro.

Mesmo comungando do pensamento de que a declaração da inconstitucionalidade do artigo em sua integralidade não nos pareça a melhor solução e que, salvo melhor juízo, o mais correto seria afastarmos apenas o inciso III do artigo 1.790 para evitarmos situações esdrúxulas como a acima apresentada, o fato é já está iniciada uma diáspora doutrinária para interpretarmos os efeitos da decisão. Para fim de repercussão geral, foi aprovada a seguinte tese: “No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”

Dessa forma, até que exista alteração legislativa, pensamos que embora garantidos os mesmo direitos sucessórios tanto no casamento, quanto na união estável, a decisão do STF não insere o convivente no rol de herdeiro necessário. Nessa esteira, aquele que tem o estado civil de casado não poderá dispor da totalidade de seus bens, haja vista a reserva de metade dos bens da herança (que é chamado de legítima, nos termos do 1.846 CC). Já considerando que não existe previsão em relação à união estável, pensamos que os companheiros poderão dispor da totalidade de seu patrimônio vez que o diploma civil brasileiro não garante a reserva da legítima.

Mesmo feliz com os avanços do direito sucessório contemporâneo pensamos que o argumento de que é, a partir de agora seria “tudo igual” entre união estável e casamento não resolve as discussões a serem travadas daqui para frente e aumenta o estado de dúvida da população em geral.

Conforme dizemos no saber popular, “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”: embora tenhamos a aplicação da mesma lógica sucessória no casamento e na união estável, tal fato não suprime as diferenças entre os institutos nem tampouco suprime a liberdade de escolha do cidadão quanto às repercussões jurídicas de uma ou outra entidade familiar.

Em momentos tormentosos, nada como boas notícias para esquentar a alma. Depois de semanas em que se ouvem apenas reclamações e delações, vem a notícia de que o dicionário Houaiss irá alterar o conceito de família em sua nova edição.

Até agora o vocábulo família era descrito da seguinte forma: “1. grupo de pessoas, formado esp. por pai, mãe e filhos(s), que vivem sobre o mesmo teto. 2 grupo de pessoas ligadas entre si pelo casamento ou qualquer parentesco.”

Claro que tal definição estava atrelada ao conceito difundido até outrora como único modelo possível de família. Não podemos esquecer que, somente com a Constituição Federal de 1988, finalmente, o Estado brasileiro passou a visualizar a união estável e as entidades formadas por qualquer dos pais e seus descendentes, enquanto família. O Código Civil de 2002, por sua vez, permaneceu praticamente inalterado de sua redação originária enquanto projeto de Lei – ainda na década de 1970 – entrando em vigência com uma supervalorização da família matrimonial em detrimento dos demais modelos existentes.

O fato é que os laços familiares não são limitados pela vontade do legislador, nem estão presos a conceitos fechados. Os sentimentos existem em nossa rotina para serem vividos e, jamais, limitados.

A nova redação estabelece a definição de família como “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantém entre si uma relação solidária”. Visualiza-se, dessa forma, a valorização daquilo que realmente efetiva a família contemporânea que são elos, não mais consanguíneos ou tão somente matrimoniais, mas, na verdade, um espaço de ligação sincera e de entreajuda, considerando, na musicalidade de Lulu Santos, “justa toda a forma de amor”.

Nada mais adequada do que a alteração oportunamente proposta, afinal, caso permanecêssemos com o conceito antigo, ao invés de dicionário, teríamos que renomear o livro como “dinossário”. Já ultrapassamos a era jurássica na linha do tempo e, agora, chegou a hora de transformar não apenas os verbetes mas, acima de tudo, os olhares jurídicos e legislativos sobre atributos intrínsecos a cada ser humano e que nenhuma força externa pode modificar: seus laços de sentimento e o desejo de ser feliz.

Portanto, não se trata apenas de uma alteração lexicográfica em um lugar universal de construção de conceitos e sentidos, que é o dicionário, mas sim, trata-se de mais um importante reconhecimento, oficial e institucionalizado, de que os laços familiares se fazem, acima de tudo, pelo afeto e pela solidariedade, sendo, a partir disso então, de fato, em seu sentido denotativo, uma família.

Todos os profissionais que lidam com o desfazimento dos vínculos afetivos têm um sem-número de exemplos de pais e mães que, em razão do momento peculiar que enfrentam, acabam trocando de papéis com a prole, assumindo o seu lugar e passando, assim, a manifestar atitudes infantis.

Quando a birra e a “bateção” de pé se restringem à partilha dos bens – que, muitas vezes, o entrave na divisão patrimonial demonstra ser tão somente a tentativa de permanecer vinculado –, os efeitos não são tão significativos como nos percalços das atitudes da denominada alienação parental.

Aliás, desde há muito, as práticas alienadoras estiveram presentes nas Varas de Família, e a única diferença é que ainda não possuíam nome próprio. Tudo o que o genitor quer, em sua campanha de alienação parental, é afastar o outro pai ou mãe da vida dos filhos, gerando dificuldades em sua convivência, seu contato, chegando, inclusive, ao absurdo de imputar uma falsa denúncia de abuso sexual ao outro, para atingir a sua meta.

A verdade é que o genitor que usa o filho como instrumento de batalha ou moeda de barganha para punir o seu ex ou sua ex não consegue compreender que, na verdade, está imputando a seus filhos um castigo perpétuo.

As marcas deixadas quando um adulto agride fisicamente uma criança são visíveis, podendo ser detectadas por todos os que convivem com ela, inclusive professores e amigos.

Em relação à alienação parental, o pior de todo o quadro de uma criança vítima dessa prática é que suas marcas não são visíveis e, infelizmente, quando os sintomas podem ser detectados, a campanha desqualificadora do progenitor alienador já foi concluída, e o vínculo com o pai ou mãe alienado já se torna inexistente.

Assim, faz se mister a atenção de toda a sociedade a essa verdadeira patologia contemporânea. Proteger os infantes daqueles que deveriam exercer o dever de cuidado é obrigação de todos, não apenas dos emocionalmente envolvidos.

A coletividade atenta a essa situação, aliada a profissionais preparados e a um Judiciário célere, são as melhores ferramentas para que possamos evitar a ocorrência de novos casos de alienação parental. A prevenção e a capacitação são mais eficazes que qualquer atitude sancionada em caráter retardatário.

Afinal, nós, adultos, não podemos incentivar atitudes do tipo “foi ele que começou”. Somente assim é que esses tristes episódios de verdadeiras inversões de papéis poderão chegar ao fim.

 

*Publicado em Zero Hora, dia 19/10/2013