A notícia da morte do músico carioca “Mr. Catra” aos 49 anos, em razão de um câncer no estômago, por si só, já bastaria para refletirmos sobre diversos fatores importantes da vida, entre eles, a sua brevidade e a necessidade de não postergarmos uma série de escolhas para “quando tivermos tempo”, principalmente, para estarmos com quem amamos.
Todavia, para além da imperiosa reflexão sobre os caminhos que a rotina nos impõe, a morte do funkeiro também nos apresenta questionamentos no direito de família e das sucessões, vez que, segundo a imprensa, ele deixa três viúvas e trinta e dois filhos.
Como sabemos, no direito de família contemporâneo, o que se busca é, efetivamente, a família enquanto um espaço de realização afetiva. Nessa seara, importa salientar que, justamente, a Carta Magna de 1988 foi a mola propulsora para a abertura para que outros modelos de uniões pudessem ser considerados entidades familiares, quando até então somente a relação matrimonial recebia proteção estatal.
Mesmo com a amplitude de guarida a novas escolhas afetivas, invariavelmente, a questão da quebra da monogamia é, ainda, um fato polêmico nos Tribunais. Prova disso que, nos últimos dias do mês de junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça decidiu, por maioria, proibir que os titulares de Tabelionatos de Notas no Brasil possam escriturar relações poliafetivas, ou seja, todos os brasileiros que mantenham uniões formadas por três ou mais pessoas não podem documentar a existência de sua afetividade.
Longe do intento de classificar se, de fato, o cantor mantinha o que poderia ser classificada como uma relação poliamorista ou, por outro lado, se existiam três uniões paralelas, sem espaço de convivência mútua e intenção conjunta de constituir família, caberia analisarmos aqui sobre a pertinência da documentação desses relacionamentos, que fogem da configuração habitual, até como forma de prevenção de litígios futuros em relação à partilha, previdência e, igualmente, às questões sucessórias.
Em relação ao inventário do músico, por exemplo, não há dúvidas quanto aos direitos dos filhos, independentemente de serem originários de uniões distintas, mas resta a dúvida: qual das companheiras sobreviventes será a considerada legitimada a suceder? Mesmo que, por ventura, ele estivesse casado com alguma delas, seria justo que a concorrência sucessória, ou seja, a participação em conjunto com os filhos na herança, viesse a valorizar apenas a relação matrimonial?
Tendo como norte que, no ano de 2017 o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional qualquer diferenciação sucessória entre o casamento e a união estável, em nosso sentir, a participação do parceiro sobrevivente na herança, de acordo com o que estipula o Código Civil, é justificada pela manutenção de uma relação afetiva quando do falecimento, independentemente de sua natureza (marital ou convivencial). Dessa forma, salvo se o músico tenha disposto em testamento sua parte disponível de forma diferente, a fração que a legislação assegura ao cônjuge ou companheiro sobrevivente deverá ser partilhada em iguais condições entre as três viúvas.
Longe de qualquer título conclusivo e, na verdade, tendo como escopo provocativo, a situação em tela nos acende a necessidade de que, por maior estranheza que as novas afetividades possam representar ao pensamento estabelecido socialmente, o respeito à autonomia privada e a autorregulamentação das relações serve como forma primordial do respeito à dignidade da pessoa humana e, principalmente, das escolhas afetivas.
Assim como as uniões de pessoas do mesmo sexo conquistaram paulatinamente, nas últimas décadas, o direito de regulamentar suas relações e a equiparação aos direitos conferidos aos casais heterossexuais, chega o momento em que precisamos passar a conferir visibilidade e proteção aos novos modelos existentes na sociedade: essa que se encontra em constante mudança, da mesma forma de inteirações relacionais. Logo, o tempo presente nos obriga, de uma forma ou outra, a revisar nosso olhar sobre o emblemático “e viveram felizes para sempre…”.