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ROSA, Conrado Paulino da. O princípio constitucional da efetividade da prestação jurisdicional nos litígios familiares e a mediação. In: TORRES, Ana Paula; ARAUJO, Marigley de; FERRONY, Paulo Renato. (coord.) Família, cidadania e novos direitos. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2013, p. 55-66.

Vivemos, na sociedade contemporânea, um paradoxo da comunicação. Nunca foi tão barato e fácil se comunicar, contudo, ao mesmo passo, em nenhum outro momento histórico tivemos tanta dificuldade em dialogar.

“Em tempos onde ninguém escuta ninguém” os litígios familiares tendem a ser potencializados. Eles sempre existiram, contudo a mágoa trazida pelo final do relacionamento tem o condão de fazer com que cada indivíduo mostre sua face mais cruel (e pensar que tudo começou com um olhar tão diferente…).

Assim, o presente texto possui o escopo de apresentar a mediação como um espaço fértil no tratamento dos conflitos familiares e o papel dos profissionais do Direito, Psicologia e Serviço Social nesse ofício. Afinal, “o que se almeja no procedimento mediativo é uma postura de responsabilidade pelo projeto de futuro que vai nortear a vida daquelas pessoas vinculadas por relações de afeto e familiares”. Proporcionando às famílias, por outro lado, a oportunidade de uma comunicação destinada a esclarecer mal-entendidos, evitando rupturas desnecessárias e diminuindo o desgaste e sofrimento.

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No dia 17 de fevereiro de 2012, foi publicado pelo Conselho Nacional de Justiça o Provimento n. 16, que dispõe acerca do procedimento a ser adotado pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais nos casos de indicações de supostos pais de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos.

​Tal iniciativa é uma consequência direta de um provimento anterior, o de n. 12 de 2010, que estabeleceu o “Programa Pai Presente”, para obtenção do reconhecimento da paternidade de alunos matriculados na rede de ensino. De acordo com o Censo Escolar de 2009, cerca de 5 milhões de estudantes brasileiros não têm a paternidade reconhecida.

​O novo documento tem como escopo facilitar que as mães de crianças e adolescentes ou os filhos maiores de idade possam indicar os supostos pais para sanar a falta do registro paterno, minimizando os efeitos, mais do que danosos, de um “não-lugar” e de um vazio afetivo, que, em âmbito registral, tentam ser substituídos em formulários pela palavra “desconhecido” ou apenas por uma sequência de asteriscos.

​De acordo com o artigo 4o do Provimento, o Oficial de Registros perante o qual houver comparecido a pessoa interessada remeterá ao magistrado competente o termo de que constarão os dados fornecidos pela mãe ou pelo filho maior, com o maior número possível de elementos para identificação do genitor, especialmente nome, profissão e endereço, acompanhado da certidão de nascimento, em original ou cópia.

​Posteriormente, o pai será notificado para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída. Conforme o § 3° do artigo em comento, no caso de o suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao Oficial da serventia em que, originalmente, tenha sido feito o registro de nascimento, para a devida averbação.

​Todavia, segundo o § 4°, se o suposto pai não atender, no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público ou da Defensoria Pública para que intente a ação de investigação de paternidade. E é nesse ponto que o Conselho Nacional de Justiça acabou esquecendo um de seus “filhos”, a mediação.

​Isso porque o documento editado pelo CNJ visa a dar efetividade às providências trazidas há quase vinte anos pela Lei n. 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Por outro lado, apesar de salutar a iniciativa, perdeu-se uma ótima oportunidade de incentivar a prática mediativa em uma área tão propícia para sua aplicabilidade, uma vez que o conflito será potencializado ao se adotar um procedimento impositivo que será iniciado a partir da negativa do genitor.

​Chama a atenção que o próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 125, em 2010, estabeleceu uma Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados a sua natureza e peculiaridade.

Por meio do documento, o CNJ estabeleceu uma Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, ou seja, a partir de então, aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de tratamento de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação.

​De acordo com o texto, em seu artigo 4°, compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação. Assim, patente que o próprio órgão, ao editar a Resolução n. 16/2012, acabou esquecendo o que preconizou anteriormente.

​A utilização de um procedimento mediativo, em vez de uma metodologia conflitiva, oferece aos envolvidos um ambiente cooperativo, criando um agir de unificação desse vínculo que nunca existiu.

​Sabe-se que, por meio do exame laboratorial a partir do código genético, mais cedo ou mais tarde, o filho terá o preenchimento do vazio que sempre existiu no espaço reservado ao nome do pai. Contudo, não podemos, enquanto operadores do Direito, incentivar práticas que têm a potencialidade de afastar ainda mais aqueles que nunca tiveram a oportunidade de estar próximos.

Em boa hora, em 27 de agosto de 2010, foi publicada a Lei n. 12.318/2010 que dispõe sobre a alienação parental, alterando o art. 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

​Alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente em sua companhia para que repudie genitor ou que cause prejuízo à manutenção de vínculos com este.

​De acordo com a nova lei, considera-se alienação parental, entre outras atitudes, realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; dificultar a autoridade parental ou o contato do filho, bem como a convivência familiar; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra o pai ou a mãe para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.

Contudo, apesar de representar um significativo avanço no reconhecimento dos direitos das crianças e adolescentes, foi vetado o artigo 9° que possibilitava a realização de sessões de mediação, antes ou no curso do processo judicial.

​Em sua redação original, o Projeto de Lei trazia a possibilidade de que as partes, o juiz, o Ministério Público e, inclusive, o Conselho Tutelar, poderiam utilizar-se do procedimento da mediação para o tratamento do litígio.

As razões do veto foram baseadas no argumento de que como o direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, não caberia sua apreciação por mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos. Ora, a resposta para tal questão é resolvida pelo próprio parágrafo 3º do artigo vetado que trazia a exigência que o acordo da mediação deveria ser submetido ao exame do Ministério Público e à homologação judicial. Assim, patente que o veto não se justifica.

​A mediação é um procedimento que vem sendo utilizado com sucesso em vários Países a partir de sua proposta de realizar uma resolução pacífica das disputas. Ela surge como uma outra alternativa, substituindo o modelo conflitual apresentado pelo Poder Judiciário.

​Não é de hoje que vem sendo enfatizada a necessidade de um trabalho interdisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas, como advogados, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, para tratar de conflitos familiares.

O certo é que o Poder Executivo perdeu uma boa oportunidade para a disseminação dessa prática na sociedade brasileira e o consequente estabelecimento de uma nova cultura que inclua opções cooperativas e pacíficas para o tratamento dos conflitos existentes no seio familiar.

Volta a discussão o Projeto de Lei n. 5696/2001, que visa alterar a Lei dos Juizados Especiais Cíveis (9.099/1995) para que esses passem a analisar matérias atinentes ao Direito das Famílias.

​Apesar de estarmos vivendo um verdadeiro colapso de demandas em tramitação – cerca de 68 milhões de processos em todo o Brasil, – antes de nos preocuparmos com a rapidez da prestação jurisdicional das matérias atinentes ao direito das famílias, precisamos, na verdade, possibilitar uma prestação qualitativa. Não é possível imaginar que sentimentos, raivas e frustrações se coadunem com celeridade processual. Sabe-se, atualmente, que uma separação mal conduzida é capaz de gerar uma série de traumas nos integrantes da família, em especial, nas crianças e adolescentes.

​Assim, caso seja aprovado tal projeto de lei, será de significativa importância o atendimento do seu art. 5°: “A conciliação será antecedida por mediação conduzida por equipe multidisciplinar, que fará trabalho de sensibilização das partes”.

​A mediação é um meio alternativo de resolução de conflitos e é realizada de forma interdisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas, como advogados, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Os mediadores atuam com a finalidade de auxiliar os envolvidos para que possam construir uma nova alternativa para seus conflitos e, também, conduzir a sua atenção para o futuro, para a construção de um novo relacionamento após a separação, principalmente em relação a seus papéis parentais.

​A utilização dessa prática possibilita identificar, por meio do diálogo, as reais necessidades dos interessados. Com o atual modelo adversarial de resolução dos conflitos, utilizado pelo Judiciário, resolve-se apenas o conflito aparente que, com certeza, acarretará em nova demanda judicial em curto espaço de tempo. Por exemplo, em uma ação de alimentos sabe-se que o foco principal não é necessariamente um pedido de assistência material. É, acima de tudo, um pedido de atenção do filho em relação a seu genitor. Caso o alimentante participasse efetivamente na vida da prole, não seria necessária a fixação de um valor pecuniário de quem tem o dever de lhe garantir sustento e vida digna. Sem responsabilização, a fixação por sentença restará inócua, será seguida por inadimplementos, sucessivas execuções, revisionais, e por aí adiante…

​Os sentimentos precisam ser trabalhados e o relacionamento transformado. Isto somente é possível com a mediação em um número razoável de encontros e sem limitação rígida de tempo.

​Desta forma, é necessário que, juntamente com o debate da temática em questão, a comunidade jurídica brasileira possa atentar que antes de celeridade precisamos é de qualidade na prestação jurisdicional. A prática da mediação familiar, que é realidade em muitos países do mundo, se apresenta como uma ferramenta inovadora e eficiente para dirimir os conflitos familiares diminuindo perdas financeiras e temporais e afetivas.

Os conflitos familiares são caracterizados pela grande carga de emotividade que abarca as pessoas envolvidas e também pela necessidade da manutenção do vínculo entre os litigantes, nos casos de relacionamentos com filhos, mesmo após a dissolução da sociedade conjugal.

​O sofrimento decorrente da separação dos pais tem a potencialidade de gerar em seus filhos não apenas um sofrimento momentâneo, mas também, provocar prejuízos emocionais que podem se estender pela toda vida, sendo de fundamental importância a preservação da integridade psicológica dos integrantes da entidade familiar.

As decisões judiciais em matéria de família, na maioria das vezes, não colocam fim ao litígio, tão-somente postergando sua solução para demandas posteriores. Assim, a utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos (originalmente chamados de Alternative Disput Resolution), sendo um deles, a mediação, tem se destacado como uma nova opção para quando, nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, “os restos de amor forem levados ao Judiciário”.

​A mediação familiar é realizada de forma interdisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas, como advogados, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, que atuam com a finalidade de auxiliar os envolvidos a que eles possam construir uma nova alternativa para seus conflitos e também, colocarem sua atenção voltada para o futuro, construindo um novo relacionamento após a separação, principalmente em relação a seus papéis parentais.

Sua utilização oferece um rápido resultado e de baixo custo, uma vez que os litigantes economizarão em custas processuais e honorários advocatícios. Além disso, as estatísticas de países que utilizam a mediação com regularidade apontam para um percentual superior a 80% de casos bem sucedidos.

​Desta forma, o uso da mediação poderá contribuir para que os fenômenos da reincidência processual e morosidade das ações judiciais sejam reduzidos, uma vez que tal procedimento produz resultados qualitativamente duradouros em relação àqueles estabelecidos por intermédio da imposição da sentença.

​O Rio Grande do Sul tem se destacado no estudo e na utilização da mediação na resolução dos conflitos familiares. No Poder Judiciário, em primeiro grau de jurisdição, destaca-se o projeto desenvolvido por um grupo de mediadores voluntários junto às Comarcas de São Leopoldo e Novo Hamburgo, coordenado pela assistente social Rosemari Seewald, que desde 2001 já realizou mais de 1.500 atendimentos.

​No Tribunal de Justiça do Estado, de 2004 até o primeiro semestre de 2008, a 7ª Câmara Cível, , desenvolveu projeto de sessões de mediação em segundo grau de jurisdição, com eficácia superior a 90% dos casos atendidos.

Apesar do sucesso dos projetos já desenvolvidos, se mostra imperativo que a mediação seja utilizada em todas as demandas que envolvam litígios familiares. E essa nova alternativa para os conflitos familiares somente poderá ser efetivada quando todos os operadores do Direito se mostrarem sensíveis e capacitados para o desenvolvimento deste trabalho. Este é um compromisso de todos nós.