Todo o mês de dezembro é marcado pela confraternização e troca de presentes entre as pessoas que se querem bem. Com a edição da Lei 13.058, em 22 de dezembro de 2014, o Direito brasileiro presenteia uma categoria que já é digna de proteção integral, especialmente após 1988: as crianças e adolescentes.

​Falar de guarda compartilhada no direito brasileiro não é novidade há, pelo menos, seis anos. Isso porque desde 2008, quando da edição da Lei 11.698, temos essa possibilidade prevista em nossa codificação civil.

​Contudo, desde então, o instituto foi reiteradamente confundido com a guarda alternada, que sequer tem possibilidade de ser fixada em nosso ordenamento jurídico. De forma equivocada, falava-se em divisão estanque do tempo em cada uma das casas, como se o filho passasse a ter sua mochila como o único lugar seguro na sua vida.

Com a edição da Lei 13.058/2014 em nada se alteram as possibilidades de determinação de guarda: ou ela será unilateral – ficando um dos pais com o poder de decisão a respeito das diretrizes da vida do filho – ou compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança.

​A fixação de qual das residências a prole irá residir, ou seja, com qual dos genitores ficará a custódia física, é consequência direta do estabelecimento do compartilhamento da guarda, podendo acontecer, inclusive, segundo a nova redação do Código Civil, que os pais residam em Cidades diferentes. Nesse caso, a “cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos” (1.583 § 3° CC).

​Além disso, de acordo com o artigo 1.583 § 5º CC, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”. Dessa forma, evita-se que um dos genitores seja mero “visitante”, restrito a programas de fast food, cinemas e guloseimas, para uma lógica de corresponsabilidade e contato diuturno. Tal previsão atenta ao princípio constitucional da convivência familiar, previsto no artigo 227 da Carta Magna.

Para estabelecer as atribuições de cada um dos pais e os períodos de convivência, o juiz poderá se basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (1.584 § 3º CC). A atuação conjunta do Direito com o Serviço Social e a Psicologia, via perícia ou mediação de conflitos, faz com que ganhem todos os envolvidos e, principalmente, as crianças e adolescentes, uma vez que se reduzem, significativamente, as chances de esses filhos tornarem-se instrumentos de disputa em uma tentativa frustrada de compensar os traumas sentimentais com disputas judiciais.

​Justamente para evitar esse quadro vem em boa hora a previsão do artigo 1.584 § 2º do Código Civil: “mesmo quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será instituída a guarda compartilhada”.

​O compartilhamento, enquanto regra geral nos litígios familiares, é um dos grandes avanços da normativa. Bom senso e cooperação seriam sentimentos necessários em todas as etapas de criação dos filhos e, caso eles não estejam presentes, o Judiciário – uma vez chamado para interferir na ótica privada – deve resguardar esses anseios em prol daqueles que são titulares de proteção integral.

​Que o advento da Lei 13.058/2014 revele, então, amigos cada vez menos secretos: pais e mães que possam compartilhar não apenas decisões, mas principalmente, vivências, afetos e carinhos em prol das crianças e adolescentes no Brasil.

Os avanços da tecnologia permitiram, com o passar do tempo, que distâncias fossem abreviadas e, também, o estabelecimento da era da velocidade “4G” das informações e da necessidade de respostas instantâneas a tudo.

A grande prova disso é que, até outrora, quando existia a necessidade de contato com alguém, isso era realizado via telefone fixo, pelo qual se deixava recado e aguardava-se, com paciência e sorte, que o retorno coincidisse com o momento de que o interessado estivesse ao lado de seu aparelho. Hoje, de forma quase esquizofrênica, o contato é via e-mail, facebook e será amaldiçoado aquele que visualizar o WhatsApp e não responder imediatamente. (malditos “dois risquinhos” que nos surtam o dia-a-dia…).

​Assim, não há como retroceder: vivemos uma era de comunicação instantânea, full time e que modificou, para sempre, a história da sociedade contemporânea.

​Pena que para o Superior Tribunal de Justiça a modernidade ainda não foi recepcionada. Recente notícia de julgado na capa daquele colendo Tribunal informa que guarda compartilhada de filhos está sujeita a fatores geográficos. Ou seja, para os julgadores que decidiram a questão, sob a relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, não há como aplicar a guarda compartilhada quando os genitores residirem em cidades diferentes.

​Infelizmente, tal postura despreza as alterações promovidas em 2014, por meio da Lei 13.058, que, entre elas, modificou a redação do artigo 1.583 § 3º de nossa codificação civil, para permitir a guarda compartilhada nessas situações.

​Considerando que o compartilhamento gera a divisão de decisões e que, invariavelmente, a criança terá no lar de um dos genitores sua base de residência, deixar de aplicar o instituto é, de uma forma ou outra, afastar um dos pais da vida do filho.

​A grande vantagem da aplicação do instituto, nas formas expressamente previstas na legislação, é criar um ambiente de coparentalidade, e isso pode e deve acontecer mesmo quando os pais não residem na mesma cidade, no mesmo Estado e, até mesmo, em países diferentes.

​A era da comunicação integral e instantânea não pode impedir a proteção integral e garantia de participação de ambos os genitores a qual, de forma inconteste, não está presa a questões territoriais – pelo contrário, deve sim, auxiliar a proximidade. Distância física não é distancia afetiva e o compartilhamento de decisões pode e deve ocorrer independentemente do local de residência dos genitores.

​Qualquer pensamento em contrário representaria um retrocesso a todos os avanços que, paulatinamente, foram construídos nos últimos anos. As ferramentas para o pleno exercício da parentalidade já existem e, em uma era da informação, a inaplicabilidade da guarda compartilhada quando os genitores não residem na mesma cidade seria pressupor de que ainda as pessoas se comunicam por sinais de fumaça. Por via das dúvidas, caso essa postura permanecer, já aviso: passarei a atualizar cálculos e custas judiciais com um ábaco!

Em momentos tormentosos, nada como boas notícias para esquentar a alma. Depois de semanas em que se ouvem apenas reclamações e delações, vem a notícia de que o dicionário Houaiss irá alterar o conceito de família em sua nova edição.

Até agora o vocábulo família era descrito da seguinte forma: “1. grupo de pessoas, formado esp. por pai, mãe e filhos(s), que vivem sobre o mesmo teto. 2 grupo de pessoas ligadas entre si pelo casamento ou qualquer parentesco.”

Claro que tal definição estava atrelada ao conceito difundido até outrora como único modelo possível de família. Não podemos esquecer que, somente com a Constituição Federal de 1988, finalmente, o Estado brasileiro passou a visualizar a união estável e as entidades formadas por qualquer dos pais e seus descendentes, enquanto família. O Código Civil de 2002, por sua vez, permaneceu praticamente inalterado de sua redação originária enquanto projeto de Lei – ainda na década de 1970 – entrando em vigência com uma supervalorização da família matrimonial em detrimento dos demais modelos existentes.

O fato é que os laços familiares não são limitados pela vontade do legislador, nem estão presos a conceitos fechados. Os sentimentos existem em nossa rotina para serem vividos e, jamais, limitados.

A nova redação estabelece a definição de família como “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantém entre si uma relação solidária”. Visualiza-se, dessa forma, a valorização daquilo que realmente efetiva a família contemporânea que são elos, não mais consanguíneos ou tão somente matrimoniais, mas, na verdade, um espaço de ligação sincera e de entreajuda, considerando, na musicalidade de Lulu Santos, “justa toda a forma de amor”.

Nada mais adequada do que a alteração oportunamente proposta, afinal, caso permanecêssemos com o conceito antigo, ao invés de dicionário, teríamos que renomear o livro como “dinossário”. Já ultrapassamos a era jurássica na linha do tempo e, agora, chegou a hora de transformar não apenas os verbetes mas, acima de tudo, os olhares jurídicos e legislativos sobre atributos intrínsecos a cada ser humano e que nenhuma força externa pode modificar: seus laços de sentimento e o desejo de ser feliz.

Portanto, não se trata apenas de uma alteração lexicográfica em um lugar universal de construção de conceitos e sentidos, que é o dicionário, mas sim, trata-se de mais um importante reconhecimento, oficial e institucionalizado, de que os laços familiares se fazem, acima de tudo, pelo afeto e pela solidariedade, sendo, a partir disso então, de fato, em seu sentido denotativo, uma família.

O processo de evolução social e desconstrução de modelos é uma conquista árdua e diuturna. Somos criados em meio a padrões de conduta de certo/errado, como se todos os indivíduos fossem iguais em suas escolhas e desejos.

A visão de uma família institucional, casamentária, hierarquizada e apenas heterossexual serve, desde há muito, como instrumento de controle e negativa de direitos. Ao invés de inclusão o direito usa como norte, de uma forma ou outra, a exclusão de qualquer família que fuja do modelo que nos é introjetado desde os desenhos infantis.

A grande prova disso é a repercussão da possibilidade de algumas iniciativas de escrituração de uniões poliafetivas. Essas relações são compostas por três pessoas ou mais, com intenção de constituir família e em plena comunhão de vida.

Ao contrário do que ocorre na família simultânea, onde por vezes existe o desconhecimento por parte de alguém ou, no mínimo, a moradia em locais diferentes, na família poliafetiva existe uma vivencia coexistencial entre os integrantes do relacionamento.

A primeira notícia a respeito de tal estruturação ocorreu em agosto de 2012 quando veio à tona que na cidade de Tupã, interior de São Paulo a tabeliã de notas e protestos Cláudia do Nascimento Domingues havia realizado uma Escritura Pública de União Poliafetiva.

No caso em tela a tabeliã foi procurada por três pessoas, duas mulheres e um homem, que viviam em união estável e desejavam declarar essa situação publicamente para a garantia de seus direitos. Os três procuraram diversos tabeliães que se recusaram a lavrar a declaração de convivência pública.

Conforme o documento lavrado, os conviventes “diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.”[1]

Apesar de respeitáveis posições contrárias à formalização dessa união[2], em nosso sentir, não existe vedação jurídica para tal comportamento e trata-se, ao fim e ao cabo, de uma plena manifestação da autonomia privada e relacional. Impedir o livre exercício da sexualidade, bem como o direito à felicidade do cidadão é postura repelida em nosso ordenamento jurídico.

A formalização dessas uniões permite a opção por quaisquer dos regimes patrimoniais disponíveis em nosso ordenamento jurídico, a possibilidade de que algum deles fique responsável pela administração dos bens e todas as disposições a respeito da vida patrimonial da família poliafetiva.

Também será consignado no documento o dever de lealdade, previsto no artigo 1.725 CC para a união estável, não se aplicando o dever de fidelidade que, em nosso ordenamento jurídico somente existe em relação ao casamento no artigo 1.566 CC.

Afirmar que as famílias poliamoristas são possíveis dentro do nosso ordenamento jurídico correlaciona nosso pensamento ao princípio da afetividade e ao da dignidade da pessoa humana, considerando-se um enquanto complementar do outro, ou seja, não é possível que se fale em dignidade da pessoa humana se os indivíduos estão sendo tolhidos de organizar sua entidade familiar da maneira como lhe convém.[3]

É o poliamor, na busca do justo equilíbrio, que não identifica infiéis, quando homens e mulheres convivem abertamente relações afetivas envolvendo mais de duas pessoas. Vivem todos em notória ponderação de princípios, cujo somatório se distancia da monogamia e busca a tutela de seu grupo familiar escorado no elo do afeto. A começar com o princípio do pluralismo das entidades familiares, consagrado pela Carta Política de 1988, que viu no matrimônio apenas uma das formas de constituição da família, admitindo, portanto, outros modelos que não se esgotam nas opções exemplificativamente elencadas pela Constituição Federal, não havendo mais dúvida alguma acerca da diversidade familiar depois do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal das uniões homoafetivas, que terminou com qualquer processo social de exclusão de famílias diferentes.[4]

Destaca-se, outrossim, que na gama de princípios elencados pela Carta Política de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana foi previsto no artigo 1°, inc. III da Carta Constitucional, elencado com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade.[5]

Este princípio possui como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal.[6]

A escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, com a previsão do § 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira ‘cláusula geral de tutela da pessoa humana’, tomada como valor máximo pelo ordenamento.[7]

Conforme José Carlos Teixeira Giorgis, é “algo que pertence necessariamente a cada um e não pode ser perdido e alienado. A dignidade da pessoa humana reclama que o Estado guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção desta, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade”.[8]

Sob a ótica do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana.[9]

Dessa forma, em nosso sentir, não há como concordar com a recomendação do Conselho Nacional de Justiça às serventias extrajudiciais com atribuição de notas, para que deixem de realizar escrituras públicas declaratórias de “uniões poliafetivas”. Tal postura foi adotada nos autos do Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, que questiona a lavratura de escrituras públicas declaratórias de “uniões poliafetivas” sejam lavrada.

Essa postura apenas impossibilita a proteção daqueles que pretendem, tão somente, regulamentar aquilo que já faz parte de sua realidade. Constitui, certamente, um retrocesso ao reconhecimento do pluralismo familiar em claro atendimento indigno àqueles que fizeram essa escolha afetiva.

Proibir tal atitude a uma categoria de pessoas que são capazes para todos os atos da vida civil é, no mínimo, uma intervenção injustificada e insensível. Na linguagem popular, quando nos sentimos incomodados, costumamos dizer: “Não te mete onde tu não és chamado”. Nesse caso, essas três pessoas ou mais somente estão chamando o Estado para dizer que existe e, nunca, para pedir permissão.

Se tudo que não nos é proibido, nos é permitido, não há como deixar de verificarmos possibilidade jurídica para a lavratura de escritura pública para regulamentar efeitos jurídicos a união poliafetiva. Afinal, como diz a célebre música do Roupa Nova, “para o amor, não existem fronteiras…”

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[1] Escritura reconhece união afetiva a três. Site do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/novosite/imprensa/noticias-do-ibdfam/detalhe/4862>. Acesso em 21 jan. 2013.

[2] Segundo Thiago Felipe Vargas Simões, “a elaboração de contrato de convivência poliafetiva, para constituir uma vida familiar entre três ou mais pessoas, atacaria tanto as disposições atinentes ao Direito de Família quanto às destinadas aos negócios jurídicos, de modo a se chegar a duas conclusões: a) considerar-se-ia simples sociedade entre as pessoas que o celebraram, com efeitos meramente econômicos; b) considerar-se-ia nulo o contrato, reconhecendo-se a existência de uma união familiar estável e um concubinato, uma vez ser impossível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas, haja vista a ausência de estabilidade, pois a lealdade e o respeito mútuos acarretariam a extinção de uma delas, bem como pela inexistência de boa-fé por parte dos que ali envolvidos. (SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. Regimes de bens no casamento e na união familiar estável. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 139).

[3] PERDOMO, Ariane. Breves considerações acerca da partilha de bens aplicável às formações poliamoristas. In: ROSA, Conrado Paulino da. THOMÉ, Liane Maria Busnello (org.). O direito no lado esquerdo do peito: ensaios sobre direito de família e sucessões. Porto Alegre: IBDFAM-RS, 2014, p. 155.

[4] MADALENO, Rolf. Escritura de união poliafetiva: impossibilidade. Carta Forense, novembro de 2012.

[5] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.94.

[6] RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. A homossexualidade no direito brasileiro e americano. São Paulo: RT, 2002, p.89.

[7] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.33.

[8] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. In: INSTITUTO INTERDICIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA – IDEF. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001, p.132.

[9] Segue Paulo Lôbo: Consulta a dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e mais adequada. (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n.12, p.46, jan./fev. 2002).

Sumário:

  1. Introdução;
  2. Das características da obrigação alimentar;
  3. Da legislação tributária e o mérito da ADI 5422 ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família;
  4. A inconstitucionalidade da tributação em pensões alimentícias como forma de garantia do mínimo existencial;
  5. Considerações finais;
  6. Bibliografia.

 

1. Introdução

O ser humano prescinde, desde o nascimento, de cuidados daqueles que estão a sua volta. Não há vida sem dependência, não há responsabilidade que, por outro lado, implique em imposições por parte do Estado para que tais direitos possam ser alcançados aos seus titulares.

​Em se tratando de relações familiares, a obrigação de entreajuda se expressa na obrigação alimentar que, de acordo com o artigo 1.694 de nossa codificação civil, implica no dever de socorro, não só entre os parentes, mas também, quando do final da conjugalidade e do companheirismo em que houve dependência econômica durante a relação. Esse dever decorre, por óbvio, das relações criadas e dos vínculos advindos das relações conjugais e parentais que não desfazem a obrigação do cuidado.

​Uma vez fixada a pensão alimentícia nas Varas de Família, seja em caráter provisório ou definitivo, o pagamento da prestação implicará na ocorrência de fato gerador a trazer benefícios tributários a quem paga mas, por outro lado, a obrigação de pagamento de tributos por parte de quem recebe os alimentos.

​No presente estudo, atentos às diretrizes constitucionais contemporâneas, busca-se debater a temática da tributação quando do recebimento das pensões alimentícias e as eventuais consequências do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5422, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, perante o Supremo Tribunal Federal com o escopo de afastar a tributação em situações análogas [2]. Pretende-se, na presente análise, analisar a (in)constitucionalidade da referida incidência, em especial, à luz das noções teóricas do mínimo existencial, aproximando o tema de considerações jurídico-filosófica que se entendem pertinentes à reflexão.

 

2. Das características da obrigação de prestar alimentos: vínculos de solidariedade familiar

O dever de prestar alimentos é obrigação imposta àqueles a quem a lei determina que prestem o necessário para a manutenção de outro. Em síntese, tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida, [3] tendo como ciclo inicial a concepção, assegurando a sobrevivência dos integrantes do núcleo familiar. O artigo 1.694 do vigente Código Civil Brasileiro prevê a possibilidade de que “os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”.

​A obrigação alimentar é devida quando quem a pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento (1.695 CC).

​A fixação dos alimentos trata-se, sem dúvida, de uma expressão da solidariedade social e familiar (enraizada em sentimentos humanitários) constitucionalmente impostas como diretriz da nossa ordem jurídica. [4] Sendo a família a base da sociedade, deve-se aplicar o princípio da solidariedade para garantir um dos objetivos da nossa Constituição Federal, insculpido em seu artigo 3º, inciso I [5].

​Sob a ótica desse princípio, a solidariedade familiar pactua que a responsabilidade pela existência e sobrevivência de cada um dos membros da sociedade não é apenas dos poderes públicos, mas da sociedade e de cada um de seus integrantes, assim, tal princípio jurídico impõe efeitos de responsabilização dos pais em relação aos filhos (inclusive para muito além da maioridade desses) bem como entre o casal.

​A obrigação dos pais em favor dos filhos tem assento constitucional no art. 229 da Carta Magna [6]. No mesmo sentido, o dever de sustento entre pais e filhos está previsto em nosso ordenamento jurídico nos artigos 1.566, inciso IV[7] e 1.568[8], ambos do Código Civil e no artigo 22[9] do Estatuto da Criança e do Adolescente.

​Cada genitor deverá contribuir na proporção de seus recursos (1.703 CC), podendo pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor (1.701 CC). As necessidades dos filhos, enquanto crianças e adolescentes, são presumidas, não necessitando, portanto, de grandes justificativas a serem levadas ao julgador, sendo evidente que precisam do atendimento de suas necessidades de alimentação, vestuário, educação e lazer, todas as necessidades essas que acabam por serem valoradas, pecuniariamente. Todavia, atentando ao binômio necessidade-possibilidade, previsto no artigo 1.694 §1° de nossa codificação civil, faz se mister que, possuindo o filho necessidades diferenciadas, a comprovação é imperiosa nos autos da ação de alimentos para que haja a fixação em patamar diferenciado.

​Dessa forma, caso necessite de tratamento médico especializado, alimentação especial ou qualquer outra necessidade que possa fugir dos parâmetros gerais de necessidades, tudo isso deverá ser documentalmente provado pelo detentor da guarda para que a fixação da verba alimentar possa atender essa realidade.

​Os alimentos, via de regra, são pagos por aquele genitor que não exercerá a guarda do filho, haja vista que aquele que detém o filho em sua companhia alcançará o atendimento das necessidades da prole de forma direta (e, muitas vezes, despendendo valores maiores do que o genitor que paga o pensionamento. Destaca-se que inexiste restrição legal há para a prestação de alimentos se a guarda é compartilhada [10]. Até porque tal modalidade determina tão somente o divisão das decisões da vida do filho e, ao fim e ao cabo, a guarda física sempre ficará determinada com um dos pais.

​A partir da celebração do casamento ou do início de uma união estável impõe aos participantes do relacionamento afetivo uma série de direitos e deveres que, inclusive, poderão irradiar os seus efeitos para além do término da relação.

​O dever de mútua assistência existente entre os cônjuges é previsto no artigo 1.566, inciso III[11] do Código Civil, enquanto o dever de assistência entre os conviventes é previsto no artigo 1.724 da codificação civil.

É fato incontroverso que os alimentos entre esposos é direito cada vez mais escasso nas demandas judiciais, especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges e gêneros sexuais, reservada a pensão alimentícia para casos pontuais de real necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco de oportunidades de trabalho, talvez devido à sua idade, ou por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a alimentos quando os filhos ainda são pequenos e dependem da atenção materna. [12]

​Além das hipóteses decorrentes do direito de família, a obrigação pode ter início com ato ilícito (com finalidade indenizatória) [13], mas também, pode ser decorrente de vontade das partes por contrato[14] ou, no âmbito sucessório, no estabelecimento de legado de alimentos. [15]

​Dessa forma, apresentadas as hipóteses de fixação de pensão alimentícia, destaca-se que o presente trabalho restringe sua análise aos casos de pensionamento na esfera alimentar, analisar-se-á a seguir a incidência das normas tributárias nesses casos e suas consequências.

3. Da legislação tributária e o mérito da ADI 5422 ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família

A Constituição Federal delimita, a partir do artigo 145, o sistema tributário nacional[16] e a competência tributária é regida pelo artigo 153, inciso III, da Carta Magna que atribui à União a possibilidade de instituir impostos sobre: “H – renda e proventos de qualquer natureza”. O Código Tributário Nacional, por sua vez, no artigo 43, estabelece que tal imposto “tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

​O Regulamento do Imposto de Renda, instituído pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, que regulamenta a Tributação das Pessoas Físicas, em seu artigo 2º, fixa:

​Art. 2º As pessoas físicas domiciliadas ou residentes no Brasil, titulares de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto de renda, sem distinção da nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão (Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, art. 1º, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, e Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, art. 4º).

No artigo 5º, do mesmo Regulamento do Imposto de Renda:

No caso de rendimentos percebidos em dinheiro a título de alimentos ou pensões em cumprimento de acordo homologado judicialmente ou decisão judicial, inclusive alimentos provisionais ou provisórios, verificando-se a incapacidade civil do alimentado, a tributação far-se-á em seu nome pelo tutor, curador ou responsável por sua guarda.

Considerando sua representatividade nas conquistas dos avanços do direito de família nos últimos dezoito anos, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ajuizou no Supremo Tribunal Federal, no dia 25 de novembro de 2015 a ação de inconstitucionalidade (ADI 5.422) com o objetivo de suspender e impedir a cobrança do Imposto de Renda sobre pensão alimentícia, diante dos “princípios, expressos e não expressos, do mínimo existencial” constantes da Carta de 1988, assim como da Emenda Constitucional 64/2010, que introduziu a alimentação como um direito social.

​A ação encontra-se conclusa ao gabinete do Relator, que é o Ministro Dias Toffoli, para a apreciação dos pedidos antecipatórios realizados pelo IBDFAM, sem previsão atual de julgamento.

​Entende-se que, mais do que a análise da inconstitucionalidade da previsão legal, sob aspecto meramente jurídico, reduz, em muito, a amplitude da compreensão que o tema pode ensejar. Desta forma, mais do que a inconstitucionalidade formal da referida previsão, a seguir, à luz da noção do “mínimo existencial”, propor-se-á uma reflexão teórica acerca do significado de tal previsão legislativa no que diz respeito às garantias fundamentais do sujeitos de direto.

4. A inconstitucionalidade da tributação em pensões alimentícias como forma de garantia do mínimo existencial

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1°, inc. III da Carta Constitucional, elencado com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. É um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. [17]

​Este princípio possui como núcleo essencial a ideia de que a pessoa humana é um fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das características que lhe conferem individualidade e imprimem sua dinâmica pessoal. [18]

​Defende Gustavo Tepedino:

A escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, justamente com a previsão do § 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira ‘cláusula geral de tutela da pessoa humana’, tomada como valor máximo pelo ordenamento.[19]

Conforme José Carlos Teixeira Giorgis, é “algo que pertence necessariamente a cada um e não pode ser perdido e alienado. A dignidade da pessoa humana reclama que o Estado guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção desta, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade”.[20]

​Conforme Rolf Madaleno, os atuais credores da pensão alimentícia são os antecedentes dependentes do provedor alimentar, não sendo os alimentandos prestadores de serviços equiparáveis aos contribuintes, estes sim, que experimentam algum crescimento patrimonial capaz de suportarem a carga fiscal. [21]

​A legislação que estabelece a tributação incidente ao pensionamento recebido por àqueles a quem, de forma antagônica, o ordenamento jurídico assegura a garantia de sustento, possibilita a usurpação de acesso a bens básicos e, por certo, deixa de garantir, até mesmo, um mínimo existencial à pessoa que recebe verba alimentar.

Segundo Thadeu Weber, a dignidade da pessoa humana como preceito ético e fundamento constitucional exige do Estado não só respeito e proteção, mas garantia de efetivação dos direitos dela decorrentes. Toda a pessoa é sujeito de direitos e deveres e como tal deve ser tratada. Assim, conforme o autor: [22]

​Quando, do ponto de vista jurídico, falamos de um “mínimo existencial” estamos tratando de algo intrinsecamente ligado à realização dos direitos fundamentais, que representam a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. A ideia que o norteia refere-se à preservação e garantia das condições e exigências mínimas de uma vida digna. Isso significa dizer que o direito ao mínimo existencial está alicerçado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana. Que esta seja respeitada, protegida e promovida é dever do estado.

Na visão de John Rawls, tal garantia é efetivada por meio de “bens primários” que são aquilo que pessoas livres e iguais precisam como cidadãos.[23] A ideia por trás da introdução dos bens primários é encontrar uma base pública praticável de comparações interpessoais baseada nas características objetivas das circunstâncias sociais dos cidadãos que são passíveis de exame, tudo isso dado o contexto do pluralismo razoável. [24]

​Embora o mínimo existencial não possa ser restringido à satisfação das necessidades físicas dos indivíduos, como se a preocupação fosse apenas com a sua sobrevivência, ou o chamado “mínimo vital”[25], em nosso sentir, o alcance da integralidade do valor recebido à titulo de pensão alimentícia é, por certo, medida que possibilita o início da efetivação de todos os demais direitos constitucionalmente protegidos ao cidadão.

A garantia de um mínimo econômico, a qual não alcance a tributação, trata-se de um primeiro passo para a completude do atendimento das demais garantias constitucionais básicas para o pleno desenvolvimento do indivíduo.

​Ao depois, com a aplicação da tese aqui defendida poder-se-ia existir a chamada por Rawls a “divisão social da responsabilidade”, em que a sociedade – os cidadãos enquanto corpo coletivo – aceita a responsabilidade pela manutenção das liberdades básicas iguais e da igualdade equitativa de oportunidades, bem como pela distribuição equitativa dos bens primários entre todos no interior dessa estrutura, enquanto cidadãos. [26]

​Considerando que o alimentante – que é a pessoa obrigada a pagar pensão alimentícia em favor de outrem – possui o benefício tributário de poder deduzir os valores pagos a título de pensionamento[27], não se mostra razoável ter a pessoa a quem o Direito reconhece enquanto hipossuficiente a obrigação de recolher imposto sobre o que recebeu. O mais correto seria, inclusive, suprimir a dedução em favor daquele que paga a pensão e nada recolher de quem recebe os alimentos.

​Tal pensamento constitui um primado do reconhecimento das diferenças e da justiça como equidade onde “reconheçamos que a função dos preceitos comumente aceitos de justiça e das desigualdades das cotas distributivas nas sociedades modernas não é recompensar o mérito moral, que é distinto de merecimento”. Sua função é, antes, a de atrair as pessoas para as posições em que elas são mais necessárias de um ponto de vista social, cobrir os custos da aquisição de aptidões e da especialização, estimulá-las a aceitar o peso de certas responsabilidades, e fazer tudo isso de uma maneira coerente com a livre escolha de ocupação e a igualdade equitativa de oportunidades.[28]

5. Considerações finais

O escopo da obrigação alimentar, na seara do direito de família, é a de permitir – enquanto regra geral – o atendimento da subsistência, das despesas educacionais e a manutenção do padrão de vida da pessoa beneficiária.

A incidência tributária sobre os valores recebidos, sendo que a pessoa que paga a pensão já recolheu tributos quando recebeu, na origem, a quantia necessária para o atendimento da obrigação, permite, invariavelmente, o desatendimento da própria finalidade do instituto da pensão alimentícia.

​Privada do atendimento de suas necessidades para atender a arrecadação estatal, a pessoa que recebe alimentos está desprotegida de seu mínimo existencial o que, por certo, impede a concretização de suas demais garantias constitucionais.

​A partir da dedução de tributos por parte de quem paga alimentos é, ao fim e ao cabo, desarrazoada a imposição do pagamento por aquele que recebe. Tendo como norte a lógica da justiça distributiva de Rawls, considerando as conseqüências para a toda a coletividade do não recolhimento de impostos nesses casos, seria o final das deduções aos alimentantes e, por outro lado, a isenção a quem recebe a verba alimentar como medida de concretização da justiça social.

6. Referências bibliográficas

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. In: INSTITUTO INTERDICIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA – IDEF. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001, p.130-138.

MADALENO, Rolf. A intributabilidade da pensão alimentícia. Revista IBDFAM: famílias e sucessões, Belo Horizonte, n. 6, p. 11-304.

RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. O liberalismo político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000.

RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. A homossexualidade no direito brasileiro e americano. São Paulo: RT, 2002.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

WEBER, Thadeu. Ética e filosofia do Direito: autonomia e dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

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[1] Advogado. Mediador de conflitos. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM / Seção RS. Doutorando em Serviço Social – PUCRS. Mestre em Direito pela UNISC, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Professor do UNIRITTER e FADERGS Laureate Universities. Coordenador da Pós-Graduação em Direito de Família Contemporâneo e Mediação da FADERGS. Autor de obras sobre direito de família e mediação de conflitos, entre elas, “Nova Lei da guarda compartilhada”, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, 150 páginas. www.conradopaulinoadv.com.br / contato@conradopaulinoadv.com.br

[2] Trata-se de ação ajuizada com o objetivo de suspender e impedir a cobrança do Imposto de Renda sobre pensão alimentícia, diante dos “princípios, expressos e não expressos, do mínimo existencial” constantes da Carta de 1988, assim como da Emenda Constitucional 64/2010, que introduziu a alimentação como um direito social.

[3] CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p.11.

[4] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 666.

[5] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[6] Artigo 229 CF: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”.

[7] Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: […] IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

[8] Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.

[9] Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

[10] (TJRS – 7ª CC – Apelação n.70053239927 – Relatora Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro – 14/02/2013).

[11] Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

 I – fidelidade recíproca;

 II – vida em comum, no domicílio conjugal;

 III – mútua assistência;

 IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

 V – respeito e consideração mútuos.

[12] (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.073409-8, Relatora designada: Desa. Denise Volpato, 1ª Câmara de Direito Civil, j. 01/10/2013).

[13] Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: (…) II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

[14] Art. 545. A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se morrendo o doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário.

[15] Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.

[16] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

 I – impostos;

 II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

 III – contribuição.

[17] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.94.

[18] RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. A homossexualidade no direito brasileiro e americano. São Paulo: RT, 2002, p.89.

[19] TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.33.

[20] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. In: INSTITUTO INTERDICIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA – IDEF. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001, p.132.

[21] MADALENO, Rolf. A intributabilidade da pensão alimentícia. Revista IBDFAM: famílias e sucessões, Belo Horizonte, n. 6, p. 30.

[22] WEBER, Thadeu. Ética e filosofia do Direito: autonomia e dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Vozes, 2013, p. 205.

[23] O autor distingue cinco desses bens: (I) Os direitos e liberdades básicos: as liberdades de pensamento e de consciência, e de todas as demais. Esses direitos e liberdades são condições institucionais essenciais para o adequado desenvolvimento e exercício pleno e consciente das duas faculdades morais (…). (II) As liberdades de movimento e de livre escolha de ocupação sobre um fundo de oportunidades diversificadas , oportunidades estas que propiciam a busca de uma variedade de objetivos e tornam possíveis as decisões de revê-los e alterá-los. (III) Os poderes e prerrogativas de cargos e posições de autoridade e responsabilidade. (IV) Renda e riqueza, entendidas como meios polivalentes (que têm valor de troca) geralmente necessários para atingir uma ampla gama de objetivos, sejam eles quais forem. (V) As bases sociais do auto-respeito, entendidas como aqueles aspectos das instituições básicas normalmente essenciais para que os cidadãos possam ter um sendo vívido de seu valor enquanto pessoas e serem capazes de levar adiante seus objetivos com autoconfiança. (RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 82-83).

[24] RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000, p. 229.

[25] WEBER, Thadeu. Ética e filosofia do Direito: autonomia e dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Vozes, 2013, p. 205.

[26] RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000, p. 237.

[27] Art. 78 do Decreto nº 3.000/ 1999:. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto, poderá ser deduzida a importância paga a título de pensão alimentícia em face das normas do Direito de Família, quando em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado judicialmente, inclusive a prestação de alimentos provisionais

[28] RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 110.

Como todos já sabem, falar de guarda compartilhada no Brasil não é novidade desde 2008 quando, por meio da Lei 11.698, houve a alteração do Código Civil para sua inserção visando quebrar a ideologia da guarda unilateral como única racio. Todavia, a partir de então, estabeleceu-se polêmica maior do que a do vestido que povoou a internet no início de 2015 e, até agora, ninguém sabe se ele é azul com preto ou branco com dourado.

A confusão foi grande: confundia-se com guarda alternada (que nunca sequer existiu no Brasil, nem existe tentativa legislativa nesse sentido), alguns julgados não aplicavam a guarda compartilhada quando os pais morassem em cidades diferentes e, além disso, somente com o julgado do Superior Tribunal de Justiça sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em 2011, é que pudemos visualizar o instituto sendo aplicado mesmo quando existe litígio entre os genitores (Resp nº 1.251.000/MG).

Visando efetivar a guarda compartilhada no território brasileiro tivemos, em 22 de dezembro de 2014, por meio da Lei 13.058, uma nova alteração do Código Civil Brasileiro nos artigos 1.583 e 1.584. A partir de então a regra nas dissoluções de relacionamentos afetivos, mesmo quando os pais estejam em litígio, passou a ser a guarda compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança. Sua fixação gera, por necessário, a atribuição de com quem a criança irá morar – denominado pela Lei como “base de residência” (1.583 § 3º CC) – e, também, o tempo de convívio com o outro progenitor e a quantificação dos alimentos que este alcançará em favor da prole.

Mesmo se os pais passem a residir em cidades diferentes, o Código Civil permite o compartilhamento. Considerando as novas tecnologias e, tendo em vista, a ausência de impedimento legal, comungamos que tal possibilidade permanece até quando os pais residam em países diferentes. Distância física, desde há muito, não significa distância afetiva e, nem mesmo, direito a uma participação efetiva na vida dos filhos.

A guarda unilateral passou a ser a forma residual, afinal, de acordo com o artigo 1.584 § 2º de nossa codificação civil somente pode ser aplicada quando um dos pais não desejar exercer a guarda compartilhada ou não tiver condições para o exercício do poder familiar.

Além disso, de acordo com o artigo 1.583 § 2º do Código Civil, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”. Dessa forma, evita-se que um dos genitores seja mero “visitante”, restrito a programas de fast food, cinemas e guloseimas, para uma lógica de corresponsabilidade e contato diuturno. Tal previsão atenta ao princípio constitucional da convivência familiar, previsto no artigo 227 da Carta Magna brasileira.

Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá se basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (1.584 § 3º CC). A atuação conjunta do Direito com o Serviço Social e a Psicologia, via perícia ou mediação de conflitos, faz com que ganhem todos os envolvidos e, principalmente, as crianças e adolescentes, uma vez que se reduzem, significativamente, as chances de esses filhos tornarem-se instrumentos de disputa em uma tentativa frustrada de compensar os traumas sentimentais com disputas judiciais.

Devidamente conscientes da necessidade de um papel de corresponsabilidade e união e, não mais de exercício egoístico e, por vezes, vingativo que se estabelecia no contexto anterior, pensamos ser o compartilhamento da guarda uma importante ferramenta profilática para novos casos de alienação parental.

Agora, ultrapassado um ano da vigência da nova Lei da guarda compartilhada, a pergunta que não quer calar: “Já acabou, Jessica?!” Infelizmente, não… Jessicas, Marias, Ricardos e Pedros precisam ainda ser esclarecidos do real sentido da norma. Não com a incerteza do resultado do Miss Universo 2015, mas sim, com a necessidade de efetivação do que, há bastante tempo, estabelece o artigo 18 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança[1]: as crianças do Brasil têm direito adquirido a uma coparentalidade!

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[1] Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança.

Falar de guarda compartilhada no direito brasileiro não é novidade há, pelo menos, seis anos. Isso porque desde 2008, quando da edição da Lei 11.698, temos essa possibilidade prevista em nossa codificação civil.

Contudo, desde então, o instituto foi reiteradamente confundido com a guarda alternada, que sequer tem possibilidade de ser fixada em nosso ordenamento jurídico. De forma equivocada, falava-se em divisão estanque do tempo em cada uma das casas, como se o filho passasse a ter sua mochila como o único lugar seguro na sua vida.

Com a edição da Lei 13.058, em dezembro de 2014, nada se alterou quanto as possibilidades de determinação de guarda: ou ela será unilateral – ficando um dos pais com o poder de decisão a respeito das diretrizes da vida do filho – ou compartilhada quando, de forma conjunta, ambos os genitores tomarão as decisões quanto a escolaridade, saúde, lazer e demais deliberações que cabem aos pais e que são inerentes à vida de uma criança.

A fixação de qual das residências a prole irá residir, ou seja, com qual dos genitores ficará a custódia física, é consequência direta do estabelecimento do compartilhamento da guarda, podendo acontecer, inclusive, segundo a nova redação do Código Civil, que os pais residam em Cidades diferentes. Nesse caso, a “cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos” (1.583 § 3° CC).

Um dos genitores continuará pagando pensão alimentícia para o custeio das despesas do filho e, além disso, o tempo de convivência dos filhos deverá ser “dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai”.

Imperioso ressaltar, nessa esteira, de que guarda e convivência são institutos distintos. Embora comumente confundidos, o primeiro diz respeito ao modo de gestão dos interesses da prole – que pode ser de forma conjunta ou unilateral – e o segundo, anteriormente tratado como direito de visitas, versa sobre o período de convivência que cada genitor ficará com os filhos, sendo necessária a sua fixação em qualquer modalidade de guarda.

A expressão equilíbrio não induz a períodos iguais e estanques. O que se busca com a nova Lei é evitar convivências restritas a finais de semanas alternados.

Destarte, imperioso ressaltar que o compartilhamento da guarda, a partir de agora, passa a ser regra geral nos litígios familiares e deve ser aplicado mesmo nos casos em que exista o litígio e esse, por certo, é um dos grandes avanços da normativa. Bom senso e cooperação seriam sentimentos necessários em todas as etapas de criação dos filhos e, caso eles não estejam presentes, o Judiciário – uma vez chamado para interferir na ótica privada – deve resguardar esses anseios em prol daqueles que são titulares de proteção integral.

Como pudemos perceber o ano de 2015 chegou com novos ares: com o final do mito dos filhos “mochilinha”, do novo papel de ambos os genitores, de visitantes a conviventes, e, acima de tudo, com o anseio de que as Varas de Família passem expressar aquilo que uma criança, mesmo em sua ingenuidade, sabe melhor do que qualquer adulto: dois representam mais do que um.

Todos os profissionais que lidam com o desfazimento dos vínculos afetivos têm um sem-número de exemplos de pais e mães que, em razão do momento peculiar que enfrentam, acabam trocando de papéis com a prole, assumindo o seu lugar e passando, assim, a manifestar atitudes infantis.

Quando a birra e a “bateção” de pé se restringem à partilha dos bens – que, muitas vezes, o entrave na divisão patrimonial demonstra ser tão somente a tentativa de permanecer vinculado –, os efeitos não são tão significativos como nos percalços das atitudes da denominada alienação parental.

Aliás, desde há muito, as práticas alienadoras estiveram presentes nas Varas de Família, e a única diferença é que ainda não possuíam nome próprio. Tudo o que o genitor quer, em sua campanha de alienação parental, é afastar o outro pai ou mãe da vida dos filhos, gerando dificuldades em sua convivência, seu contato, chegando, inclusive, ao absurdo de imputar uma falsa denúncia de abuso sexual ao outro, para atingir a sua meta.

A verdade é que o genitor que usa o filho como instrumento de batalha ou moeda de barganha para punir o seu ex ou sua ex não consegue compreender que, na verdade, está imputando a seus filhos um castigo perpétuo.

As marcas deixadas quando um adulto agride fisicamente uma criança são visíveis, podendo ser detectadas por todos os que convivem com ela, inclusive professores e amigos.

Em relação à alienação parental, o pior de todo o quadro de uma criança vítima dessa prática é que suas marcas não são visíveis e, infelizmente, quando os sintomas podem ser detectados, a campanha desqualificadora do progenitor alienador já foi concluída, e o vínculo com o pai ou mãe alienado já se torna inexistente.

Assim, faz se mister a atenção de toda a sociedade a essa verdadeira patologia contemporânea. Proteger os infantes daqueles que deveriam exercer o dever de cuidado é obrigação de todos, não apenas dos emocionalmente envolvidos.

A coletividade atenta a essa situação, aliada a profissionais preparados e a um Judiciário célere, são as melhores ferramentas para que possamos evitar a ocorrência de novos casos de alienação parental. A prevenção e a capacitação são mais eficazes que qualquer atitude sancionada em caráter retardatário.

Afinal, nós, adultos, não podemos incentivar atitudes do tipo “foi ele que começou”. Somente assim é que esses tristes episódios de verdadeiras inversões de papéis poderão chegar ao fim.

 

*Publicado em Zero Hora, dia 19/10/2013

ROSA, Conrado Paulino da, FREITAS, D. P. Danos Morais por inadimplemento alimentar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. , v.31, p.5 – 16, 2013.

Mesmo existindo ferramentas para forçar o cumprimento do dever alimentar, é notório no meio familista a verdadeira via crucis que muitas vezes os alimentandos necessitam percorrer para a garantia de seus direitos. Devedores contumazes utilizam o não pagamento reiterado como meio de vingança ou modo de transmitir sua insatisfação em alcançar a verba.

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Se atualmente a legislação tributária prevê um benefício para o genitor que detém a guarda da criança ou do adolescente fruto do casal, por que não dividir esse benefício quando ambos compartilham a guarda, ou, ainda, por que não possibilitar a alternância do mesmo quando a guarda é estabelecida na modalidade de alternada ou nidal?

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